*contém spoilers
Eu sou meio tiete da Angelina
Jolie por que sim por que a mulher é uma diva. Enfrentar toda mídia
sedenta e trazer um problema de saúde seríssimo à tona, quando ela fez a
mastectomia preventiva por ter pretensão genética ao câncer de mama (tipo de câncer que
mais atinge mulheres com previsões que apontam 1,66 milhões de doentes até o
ano que vem no mundo todo) para conscientizar as pessoas sobre a doença, não deve
ter sido fácil. Além disso, ela adotou uma penca de crianças em países pobres,
quase sempre com objetivo de chamar atenção para algum conflito ou problema
ocorrendo naquela área. É muito engajada em trabalhos humanitários e na defesa
de direitos humanos como embaixadora da ONU e seu projeto mais recente é de
combate à violência sexual contra mulheres em áreas de guerra. E ela ainda deixa
os filhos se vestirem como querem, sem dar a mínima para padrões de gênero,
como a Shiloh, que é frequentemente flagrada “vestida de menino”. Além de ser a
eterna Lara Croft. Agora me digam: como não amar essa mulher?
Assim, Malévola (2014) além de protagonizado por
uma atriz maneira, eu adoro filmes da Disney e adoro uma história de princesa.
Estava esperando ansiosamente essa produção desde que foi anunciada a alguns
anos. Apesar de não ter sido muito
incentiva a curtir contos de fadas por que minha mãe sempre evitou que eu os
visse, me apresentando outras coisas (até hoje morro de amores pelo O Rei Leão, 1994), pois sempre achou que
esse discurso de mulheres passivas esperando príncipe encantado para salvá-las
era nocivo para garotas. Sabia mamãe... As mais antigas, aquelas da década de
1940, 1950 mais datadas possíveis, cheias de amor romântico e que ficam o filme
inteiro paradinhas, ou fazendo tarefas domésticas enquanto esperam ser salvas, eu nunca vi até hoje. Sempre gostei das mais “moderninhas”, Mulan, Pocahontas
etc. Mas esqueçam de tudo que você sabe sobre contos de fadas e vem comigo.
Nesse filme toda ação acontece
envolta de uma releitura do filme de 1959 contado pela perspectiva da vilã,
como seu título já sugere. Ele explica o porquê de uma fada que vivia em um
reino encantado com outros seres mágicos ter se tornado a bruxa má que vemos no
antigo longa. Maleficent tinha lindas
asas e era a fada mais poderosa desse reino que coabitava outro, o reino dos
humanos. Enquanto o primeiro representa a natureza e a vida em harmonia, onde
todos cooperam e não há rei ou rainha, o outro, dos humanos, é o reino da
ganância e da violência (qualquer oposição entre masculinidade e feminilidades
clássicas aqui não deve ser mera coincidência). Ela conhece e se apaixona pelo
jovem Stefan, humano que anseia ocupar o lugar ao trono de um rei vingativo que
quer a cabeça da Malévola por ser incapaz de dominar seu reino mágico. Assim,
ele a entorpece e com ela desacorda a viola, arrancando suas asas e traindo-a perversamente para se tornar
soberano.
Essa é uma alegoria evidente a
um estupro. A maneira como ela sai da situação despedaçada e vai ficando cada
vez mais sombria depois disso, só deixa essa tese mais forte. Ela teve seu
corpo violado, invadido, foi traída e humilhada. Mas sobrevive para vingar-se.
E daí o resto da história já conhecemos: as três fadas boas, a maldição, a
roca, o beijo de amor verdadeiro, descobrimos de onde vem o corvo e a muralha de
espinhos também. O que é MUITO legal.
Esse conceito de bruxa é bem
antigo, remonta tempos de inquisição, quando as mulheres que detinha a
sabedoria relacionada à natureza eram acusadas de bruxaria e queimadas em fogueiras
pela Igreja Católica. Sabedoria essa, que era usada muitas vezes para ajudar
outras mulheres. São recorrentes casos
de condenadas por prescreverem ervas que amenizavam as dores do parto, por
exemplo. E assim, até o século passado, se observarmos nos filmes clássicos da
Disney, a figura da bruxa é sempre uma mulher que de alguma forma deseja poder,
em contraste com uma princesa delicada e submissa que só deseja... casar. E
mulher querendo poder só pode ser bruxa, velha e má, que saí do padrão feminino
dócil e merece sempre ser punida no final. De preferência com a morte.
Esse filme coroa um movimento desconstrução da bruxa que eu já venho observando desde Valente
(2012), onde a mulher que controla a magia não era má... só meio atrapalhada. Maleficent é má, mas tem motivos para sua amargura e sua vingança,
e, além disso, consegue reverter seus sentimentos, e o amor por Aurora a
redime. O estereótipo da bruxa que odeia outra mulher passou da validade e a
Disney já estava demorando a perceber isso. A personagem interpretada por Jolie
é totalmente complexa e multifacetada, o que muitas mulheres vem cobrando da
indústria do cinema a muito tempo (outra que tá demorando pra cair a ficha).
Depois da maldição, Aurora vai ser criada no meio da floresta por três fadas atrapalhadas,
de modo a ficar bem longe das rocas, e Malévola vai lá se divertir com a
situação, saborear a vingança, mas acaba desenvolvendo forte afeto pela menina
que acredita ser a fada sem asas sua fada madrinha,
O filme é fantástico porque além
de quebrar o amor verdadeiro em pedacinhos pequenininhos, por que não é o
príncipe o centro do filme (como no de 1959, em que Aurora passa o filme
inteiro... dormindo), coloca a forte amizade entre duas mulheres, numa
sociedade que incentiva rivalidade feminina por qualquer motivo (principalmente
brigando por atenção masculina) e é protagonizado por uma personagem mulher
profundamente multifacetada, humana e complexa, que traz um mistura de sentimos
incríveis de amor, transformação e superação!
É disso que o cinema precisa,
é um filme escrito por uma mulher, sobre uma mulher que fala de conflitos que
afetam mulheres. E para os produtores que ficam











