quarta-feira, 11 de junho de 2014

Malévola (2014)

*contém spoilers

Eu sou meio tiete da Angelina Jolie por que sim por que a mulher é uma diva. Enfrentar toda mídia sedenta e trazer um problema de saúde seríssimo à tona, quando ela fez a mastectomia preventiva por ter pretensão genética ao câncer de mama (tipo de câncer que mais atinge mulheres com previsões que apontam 1,66 milhões de doentes até o ano que vem no mundo todo) para conscientizar as pessoas sobre a doença, não deve ter sido fácil. Além disso, ela adotou uma penca de crianças em países pobres, quase sempre com objetivo de chamar atenção para algum conflito ou problema ocorrendo naquela área. É muito engajada em trabalhos humanitários e na defesa de direitos humanos como embaixadora da ONU e seu projeto mais recente é de combate à violência sexual contra mulheres em áreas de guerra. E ela ainda deixa os filhos se vestirem como querem, sem dar a mínima para padrões de gênero, como a Shiloh, que é frequentemente flagrada “vestida de menino”. Além de ser a eterna Lara Croft. Agora me digam: como não amar essa mulher?
Assim, Malévola (2014) além de protagonizado por uma atriz maneira, eu adoro filmes da Disney e adoro uma história de princesa. Estava esperando ansiosamente essa produção desde que foi anunciada a alguns anos.  Apesar de não ter sido muito incentiva a curtir contos de fadas por que minha mãe sempre evitou que eu os visse, me apresentando outras coisas (até hoje morro de amores pelo O Rei Leão, 1994), pois sempre achou que esse discurso de mulheres passivas esperando príncipe encantado para salvá-las era nocivo para garotas. Sabia mamãe... As mais antigas, aquelas da década de 1940, 1950 mais datadas possíveis, cheias de amor romântico e que ficam o filme inteiro paradinhas, ou fazendo tarefas domésticas enquanto esperam ser salvas, eu nunca vi até hoje. Sempre gostei das mais “moderninhas”, Mulan, Pocahontas etc. Mas esqueçam de tudo que você sabe sobre contos de fadas e vem comigo.
Nesse filme toda ação acontece envolta de uma releitura do filme de 1959 contado pela perspectiva da vilã, como seu título já sugere. Ele explica o porquê de uma fada que vivia em um reino encantado com outros seres mágicos ter se tornado a bruxa má que vemos no antigo longa. Maleficent tinha lindas asas e era a fada mais poderosa desse reino que coabitava outro, o reino dos humanos. Enquanto o primeiro representa a natureza e a vida em harmonia, onde todos cooperam e não há rei ou rainha, o outro, dos humanos, é o reino da ganância e da violência (qualquer oposição entre masculinidade e feminilidades clássicas aqui não deve ser mera coincidência). Ela conhece e se apaixona pelo jovem Stefan, humano que anseia ocupar o lugar ao trono de um rei vingativo que quer a cabeça da Malévola por ser incapaz de dominar seu reino mágico. Assim, ele a entorpece e com ela desacorda a viola, arrancando suas asas e traindo-a perversamente para se tornar soberano.
Essa é uma alegoria evidente a um estupro. A maneira como ela sai da situação despedaçada e vai ficando cada vez mais sombria depois disso, só deixa essa tese mais forte. Ela teve seu corpo violado, invadido, foi traída e humilhada. Mas sobrevive para vingar-se. E daí o resto da história já conhecemos: as três fadas boas, a maldição, a roca, o beijo de amor verdadeiro, descobrimos de onde vem o corvo e a muralha de espinhos também. O que é MUITO legal.
Esse conceito de bruxa é bem antigo, remonta tempos de inquisição, quando as mulheres que detinha a sabedoria relacionada à natureza eram acusadas de bruxaria e queimadas em fogueiras pela Igreja Católica. Sabedoria essa, que era usada muitas vezes para ajudar outras mulheres.  São recorrentes casos de condenadas por prescreverem ervas que amenizavam as dores do parto, por exemplo. E assim, até o século passado, se observarmos nos filmes clássicos da Disney, a figura da bruxa é sempre uma mulher que de alguma forma deseja poder, em contraste com uma princesa delicada e submissa que só deseja... casar. E mulher querendo poder só pode ser bruxa, velha e má, que saí do padrão feminino dócil e merece sempre ser punida no final. De preferência com a morte.
Esse filme coroa um movimento desconstrução da bruxa que eu já venho observando desde Valente (2012), onde a mulher que controla a magia não era má... só meio atrapalhada. Maleficent é má, mas tem motivos para sua amargura e sua vingança, e, além disso, consegue reverter seus sentimentos, e o amor por Aurora a redime. O estereótipo da bruxa que odeia outra mulher passou da validade e a Disney já estava demorando a perceber isso. A personagem interpretada por Jolie é totalmente complexa e multifacetada, o que muitas mulheres vem cobrando da indústria do cinema a muito tempo (outra que tá demorando pra cair a ficha). Depois da maldição, Aurora vai ser criada no meio da floresta por três fadas atrapalhadas, de modo a ficar bem longe das rocas, e Malévola vai lá se divertir com a situação, saborear a vingança, mas acaba desenvolvendo forte afeto pela menina que acredita ser a fada sem asas sua fada madrinha, sabe de nada inocente!  E elas ficam amicíssimas e vão viver juntas no reino mágico, mas a maldição é implacável e quando ela faz 16 anos pum!, desenvolve narcolepsia... não pera...
E Maleficent que não acredita em amor verdadeiro, pois acha ser ela mesma prova de que ele não existe, leva à adormecida um príncipe que a moça tinha conhecido na floresta antes de cair no sono, como sua última esperança de desfazer o feitiço. Ele beija Aurora e nada, até que super arrependida por ter se deixado levar pela raiva e vingança, jogando aquela maldição na princesa, a fada beija a moça e pum! ela acorda. Amor verdadeiro entre elas, entre mulheres, depois de Frozen (2013) tá na moda gente! Que maravilha! É muito importante, principalmente num filme cujo público alvo é infantil, mostrar que amor verdadeiro é possível entre qualquer um, não só entre homem e mulher.
O filme é fantástico porque além de quebrar o amor verdadeiro em pedacinhos pequenininhos, por que não é o príncipe o centro do filme (como no de 1959, em que Aurora passa o filme inteiro... dormindo), coloca a forte amizade entre duas mulheres, numa sociedade que incentiva rivalidade feminina por qualquer motivo (principalmente brigando por atenção masculina) e é protagonizado por uma personagem mulher profundamente multifacetada, humana e complexa, que traz um mistura de sentimos incríveis de amor, transformação e superação!
É disso que o cinema precisa, é um filme escrito por uma mulher, sobre uma mulher que fala de conflitos que afetam mulheres. E para os produtores que ficam de mimimi alimentando a ideia de que filme com protagonista mulher não vende: Maleficent lidera as bilheterias nos EUA e só na estreia já arrecadou R$ 70 milhões de dólares. E por enquanto R$ 158,9 milhões lá e pelo menos R$ 624 milhões pelo mundo. 

terça-feira, 10 de junho de 2014

O direito do terceiro mundo

Era primavera. Havia muitas árvores em Washington d.c. Isso foi algo que me surpreendeu nos Estados Unidos, eles têm mais árvores do que nós. Também tem mais asfalto, mas devo confessar que as árvores chamam mais atenção.
Eu estava aproveitando a cerveja. Como não podia beber no país, eu me certificava de aproveitar ao máximo toda a vez que podia tomar cerveja. No caso, era um almoço oferecido pela vizinha filipina da avó de uma amiga minha, que estava hospedando a mim e mais 6 estudantes para o Spring Break. Destes, só sua neta e mais uma garota eram estadunidenses (estadunidense sim, porque nada justifica negar nossa americanidade).
Eram duas mesas, uma composta só por jovens e outra com a avó da amiga, o marido da vizinha filipina que oferecia o almoço e uma grande amiga minha brasileira com uma cara de espanto. Eu já estava um pouco tonto por causa da cerveja que usava para empurrar a comida que tinha tanto carinho quanto faltava gosto. Naquele dia descobri que não sou chegado a cozinha filipina.
Quando eu sentei o senhor repetiu para mim o que tinha acabado de perguntar para minha amiga.
“Você acha justo esses imigrantes imundos virem aqui e usar o dinheiro dos meus impostos para a educação e a saúde dos filhos deles?”
Sim, todos os estadunidenses da casa eram republicanos. Aliás, o terreno em que estávamos pertencia (há muito tempo atrás) a fazendo do próprio George Washington. Aquele homem tinha servido alguma força armada dos EUA por muito tempo. Talvez tenha sido assim que houvesse conhecido sua gentil esposa filipina. A avó de minha amiga só concordava com tudo o que ele dizia. Eu não sei se eles não consideravam intercambistas imigrantes também ou era uma indireta de “caiam fora da minha casa”. Fico com a primeira opção.
O que estava diante de mim era o argumento mais ignorante e xenófobo contra a imigração de sul-americanos, centro-americanos e mexicanos nos Estados Unidos. A lembrança de que eu estava na casa dele sumiu. Também esqueci que o nome da cerveja que estávamos tomando era tão imigrante como os “mexicanos imundos” de quem ele não gostava. Sorri e respondi.
“Acho justo sim. Porque não é o seu dinheiro. Enquanto o senhor servia o exército, seu país ajudava a várias ditaduras serem implantadas nos países de origem desses “imigrantes”. Essas ditaduras favoreceram seu país economicamente, e muito! Meu país só se livrou de uma dívida daquela época há poucos anos atrás. Então, se eles e os pais deles é que trabalhavam para o lucro do seu país que pagava seu salário, oras, na verdade você deve muito a eles. E foram os seus pais que usaram os impostos deles para sua educação e saúde. Então sim, eu acho justo.”
Minha amiga deu um suspiro de alívio.  O senhor que já deve ter assassinado muitos durante sua vida começou a falar diretamente com nossa anfitriã sobre como “esses jovens de hoje em dia...” e eu continuei bebendo a cerveja com nome de imigrante ladrão com um grande sorriso no rosto.

segunda-feira, 17 de março de 2014

Cenas de abuso se repetem no BBB

Sim, eu assisto Big Brother Brasil, não, isso não afeta em nada minhas faculdades cognitivas e/ou intelectuais. Acho que a proposta do programa pode até ser antropologicamente interessante, apesar da experiência de assisti-lo esteja decaindo muito nos últimos programas (o atual é com certeza o pior de todos).
Sim, é um programa machista que objetifica os corpos femininos em troca de uns pontos de audiência. E sim, é um programa racista – já pararam pra pensar que entra um/a negro/a por edição em um país de pelo menos metade afrodescendente e mais da metade mestiço. E esse/a personagem geralmente saí até metade do programa (me corrijam se estiver errada, mas Valter Slim, a cota dessa edição, é o que foi mais longe no jogo, não?). Se tem algo que podemos chamar de reality no BBB com certeza é isso: ele reflete tanto os problemas da sociedade em qual está inserido, quanto os da emissora.

Mas enfim, dadas as devidas ressalvas, vamos ao assunto que me levou a abrir o computador a meia noite e vinte de domingo para escrever esse texto: abuso sexual, mas especificamente abuso sexual de mulheres embriagadas e vulneráveis. Na edição 12 essa polêmica já havia surgido, o único negro da casa (como sempre), Daniel, foi para debaixo do edredom com Monique. O que causou comoção foi que aparentemente a moça, depois de muito beber, dormia enquanto ele fazia sexo com ela totalmente sem consentimento (coisa imprescindível em uma relação sexual entre dois sujeitos). E o Bial, fazendo Bialzice, abriu a edição do dia seguinte com um sonoro “O amor é lindo!”. SERÃO MESMO BIAL? A menina provavelmente havia sido estuprada e você fala de AMOR? O que causou mais e mais problemas para Rede Globo, que teve de tirar os participantes da casa, envolver a policia, fazer corpo de delito e etc. Daniel, ao que tudo indica não havia consumado o ato, mas mesmo assim abusou de Monique, que desacordada não podia reagir a suas carícias, o que desde 2009 no nosso código penal já é considerado estupro. Na época, ele foi apenas expulso do programa.

Trouxe novamente o acontecido à tona para falar da festa que ocorreu esse sábado dentro da casa. Acho problemático bebida alcoólica liberada em uma situação de confinamento como a do programa, quando as pessoas estão extremamente vulneráveis devido as circunstâncias, e acabam descontando suas emoções em tudo, uns em cigarro, outros em comida e, é claro, em bebida. Sempre dá merda. Nessa última festa Ângela bebeu demais, além de aturar o tempo inteiro as investidas insistentes de Marcelo, cara chato, inconveniente, machista e mimado que parece não aceitar um não como resposta, com quem a moça havia tido um relacionamento, e já havia colocado um ponto final. Típico stalker, que inconformado com algum rompimento infernizará a vida da mulher que o deixou. Conhecemos o fim de várias histórias parecidas que todos os dias tomam os noticiários, e elas quase nunca acabam bem... para as mulheres.
E a noite passa, Ângela bebe mais, Marcelo insiste mais, Cássio observa. Eu não gosto do Cássio, não
gosto desde que vi as chamadas da entrevista dele para produção do programa antes do mesmo começar. Não gosto do jeito mimado, infantil, desleixado, das brincadeiras desrespeitosas (principalmente com as mulheres) e do egocentrismo. Mas devo admitir que nessa noite de sábado ele devesse ser a pessoa mais
sensata do Projac.
O tema da festa era Índia e haviam grandes almofadas jogadas por todo gramado. Foi em algumas delas que Ângela começou a passar mal e Cássio tentou ajudá-la, coisa que ela negou, mas ele parece ter continuado por ali, de algum jeito preocupado em zelar pela menina bêbada. E no desenrolar dos fatos ele fez uma coisa tão simples, tomou uma atitude tão óbvia, tantas vezes ignorada, mas que pode salvar muitas mulheres de serem abusadas sexualmente. Marcelo, o chato, começou a jogar água no rosto da moça, que reclamou, Cássio tentou fazer com que parasse, mas ele o afasta e continua jogando água nela. Que continua reclamando e em troca é atingida por Marcelo com várias almofadas no rosto.
Ela totalmente fora de si diz que ele pode deitar ali pra dormir com ela... como amigo. Mas parece que essa parte ele não entende e Cássio atento, logo percebe. Marcelo deita com ela, tenta beijá-la, ela nega, ele continua dando selinhos, beijos pelo rosto, e Cássio chama outras meninas, ele está decidido, vai usar a desculpa de que elas darão banho e cuidarão da bêbada Ângela para tirá-la dali, daquele estado de completa vulnerabilidade. Marcelo insinua que ele “cuidará dela” ele “dará banho nela” de maneira muito suspeita. O que faz com que Cássio fique cada vez mais certo de que moça corre algum perigo e tire ela dali. As cenas que seguem são do barraco entre os dois caras, que deve ter deixado o diretor do programa bem feliz, pois antes disso as tramas e o jogo estavam mais parados do que água de poço. Até as mães dos/as participantes conseguiram ser mais interessantes do que eles/as!

O que me importa nisso tudo é a atitude tomada por Cássio, que devemos tomar fortemente como exemplo. Como eu disse é tão simples, mas pode evitar grandes tragédias para vida de várias mulheres, como a da garota, que ano passado em Steubenmville nos EUA foi brutalmente estuprada por vários garotos colegas de escola depois de beber demais e ficar desacordada. E não venham me dizer que por que Ângela bebeu estava pedindo, que ela devia ter bebido menos pra evitar esse tipo de situação. Argumentos assim só tiram a culpa do verdadeiro culpado, Marcelo, e colocam na vítima. Ela, como qualquer outra mulher, tem o direito de beber e se divertir sem sofrer qualquer tipo de violência.

Ninguém tem o direito de molestar o corpo de ninguém por que essa pessoa (sempre mulheres) está inconsciente ou fora de si em decorrência de uma bebedeira. Isso não é sexo, não é brincadeira, é a vida e a integridade física de outra pessoa. Algo tão óbvio, mas que cega tantos homens, menos Cássio nesse sábado a noite, que enxergou o óbvio, o que qualquer um devia enxergar: uma pessoa bêbada não é uma pessoa em condições de decidir, não é uma pessoa em condições de consentir, não, você não deve “se aproveitar” de alguém nesse estado, pois isso é monstruoso. E nós todos devemos tomar atitudes como a de Cássio, ou seremos todos estupradores. #foramarcelo

p.s. Mais informações sobre o caso de Steubenmville aqui.

terça-feira, 11 de março de 2014

Faça um bom negócio! Não assista "300 - a ascensão do império"

Pior do que filho de político metido a rockeiro
Pronto, vamos seguir o seguinte roteiro: eu vou xingar o filme a vontade, depois eu vou estragar a sua experiência de assisti-lo contando seus primeiros 20 minutos do filme discutindo a questão política daquela porcaria (veja que a primeira parte já está sendo executada) e por último e MAIS IMPORTANTE vou explicar porque só os primeiros 20 minutos serão narrados discutindo misoginia.

O filme é ruim de roteiro, de sequencia de cena, o efeito de sangue dos quadrinhos originais (que só narram os acontecimentos do primeiro filme) não diminui a violência como o diretor gostaria e a chance é muito grande de um sádico estar se masturbando do seu lado dentro da sala de cinema.

Parecia mais esse aqui do que o filme de verdade
O argumento do filme é que a coisa mais bela do mundo é matar líderes políticos orientais (próximos) em nome de uma suposta democracia que ensaia um ideal de liberdade que só gera mais e mais guerra. Se isso te lembra alguma coisa parabéns, você é muito mais esperta (o) do que um espartano. Estamos falando de 300 – a ascensão do império (2014) que é a vingança dos machões de cuequinhas Superman pra cima do Rodrigo Santoro (quem eu não verei nas telonas nunca mais) vestido de odalisca masoquista. Ou seja, haverá um terceiro filme que retratará a épica Guerra do Peloponeso, mas enfim.

História antiga básica: Xerxes mata Leônidas na batalha de Termópilas (filme 1 – que deveria ter sido primeiro e último porque é um bom filme), depois os gregos se unem militarmente e acabam com os persas também chamados de medos (filme 2). No final das contas a influência de Esparta sobre as outras cidades-estados gera um conflito entre Atenas e Esparta, da democracia contra a ditadura, da razão contra a força bruta e então Esparta vai lá e ganha. Quem contou isso pra gente foi Tucídides comandante ateniense que sobreviveu a guerra do Peloponeso e resolveu contar a derrota de seu próprio povo, tirando esse privilégio de seus inimigos.

A Pérsia antiga é referência direta do e ao oriente próximo. Por exemplo, no Irã uma das manifestações mais conhecidas contra o xá (o ditador mulçumano do Irã) foi a realização de um festival arcaico persa que comemorava a primavera. O império persa é referência simbólica-cultural daqueles povos até hoje. Muito infelizmente para mim o sápatra (rei/manda-chuva/zé gostoso) da Pérsia foi representado por Rodrigo Santoro. Rodrigo, você não precisava estar naquela porcaria.

Além da violência exacerbada e elogiada durante as cenas que mostravam espartanos espancando uns aos outros e dizendo como era a coisa mais maravilhosa do mundo morrer por EUspartA. Não consegui ver até a parte que eles efetivamente lutam contra os persas. O herói ateniense vai até Esparta num clima “ei gostosões, viemos chamar vocês pra descer o cacete no Xerxes” e 1º a rainha aparece e pergunta se ele veio se masturbar olhando homens de verdade treinarem e 2º a mina fala pro cara “a gente vai descer porrada no Xerxes sem a ajuda de vocês porque a gente que manja dos paranauê” e é claro que o herói de guerra ateniense sai de lá fazendo comentários “nossa, esses espartanos são mesmo do caralho!”.

Tá bom.
É difícil contar o filme porque o filme fica indo e voltando, indo e voltando, voltando e indo um flashback dentro do outro e te deixa meio perdida (o), mas é claro que tem sangue no passado, presente e futuro. Além de um cena que uma cabeça decepada ganha um beijo na boca da general do Xerxes que o manipula desde sempre e parabéns diretor e ao roteirista conseguiram tirar toda a culpa do vilão e botar numa vilã, a galera adora isso. Por que né gente, a culpa é sempre da mulher mesmo, essa Lilith que usa e manipula os pobres homezzzZZZZZZZ...

A cultura estadunidense é de fato só elogios para as forças armadas. Os espartanos de hoje vão às escolas dos EUA fazendo propaganda de como é bom entrar para o exército depois da High School e a grande carreira que se pode ter pela frente. Pena que eles nunca assistiram o documentário Invisible War (2012) que discute os estupros dentro das forças armadas estadunidenses.

Eu lembro que no Calderão do Luciano Hulk rolou uma entrevista com o Rodrigo Nuncamais Santoro, o diretor de 300 (2006) Zack Snyder e o ator que faz o Leonidas fazendo um merchã do primeiro filme e o diretor disse que fez tudo o mais mágico e artificial possível para ninguém se ofender, achar que era uma questão política ou religiosa. Pois então, dessa vez acredito que o novo diretor, Noam Murro fez o contrário. Em um dos 1000 flashbacks dos primeiros vinte minutos mostra a capital de Xerxes e os primeiros monumentos que aparecem são os símbolos do Iraque e de Bagdá. Mandou benzão em não politizar a parada! Estranho o fato do novo diretor ser israelense, não?

Mas o filme é só porrada e elogio pros Estados Unidos? Não, tem os estupros também. Motivo que me levou a abandonar a sala de cinema. Eu estava assistindo o filme com a minha namorada (que – graças as forças divinas – não é nem foi vítima de nenhuma forma de violência sexual em um mundo em que 1 a cada 5 mulheres será vítima desse tipo de violência no decorrer da vida) que não aguentou ver tanta mulher sendo brutalmente estuprada. A sequência então era assim: cena estupro – diálogos elogiando a violência – porrada comendo solta – flashback – estupro – diálogos – etc.

Mas o mais perverso, ok guerras tem estupros, mas o pior de tudo é que o estupro representado tinha uma aura de fetichismo. Eram coreografias graciosamente interpretadas sobre belas mulheres mostrando os seios. Elas não eram cenas para chocar, eram cenas para se apreciar. Uma falta de respeito com todas as mulheres, com as mulheres que já foram vítimas, com as mulheres que moram em países passíveis daquele tipo de situação, etc. Talvez mostrar o estupro não seja um problema, é visibilizar uma coisa que acontece, mas transformá-lo no break do filme, na respirada no meio de tanta violência, estetizá-la daquele jeito é coisa de espartano. E além disso, há de se tomar muito cuidado ao inserir esse tipo de cena em filmes, pois mulheres que já foram vítimas podem voltar a ter sérios transtornos de estresse pós-traumático com direito a ao aguçamento de terríveis lembranças.

Mal sabe a namorada que saímos na hora em que o estupro seria com uma criança. Portanto, leitora (leitor) se eu não consegui fazer você perder a vontade de assistir o filme é porque as emoções roubaram a cena das palavras. Mas faça um favor à humanidade: deixe os espartanos esquecidos lá no passado que é o lugar deles.


p.s. Tudo indica que os espartanos adoravam a palavra fuck.


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Django livre x 12 anos de escravidão

Quando saí da sala de cinema logo após assistir Django (2012) senti uma ponta de decepção misturada com revolta. Além de ser o pior filme do Tarantino, diretor que admiro muitíssimo, não chegou nem perto das minhas expectativas. Em suas entrevistas de pré-produção parecia um filme revolucionário. Um western sobre a escravidão! Tinha tudo para ser uma grande película, só que não.

Assim como toda nossa sociedade (e a dos EUA) faz, o filme diminui os prejuízos da escravidão. Porque reconhecê-los não significa apenas nos expor a cenas chocantes, mas continuar na luta por uma representação justa e verossímil dos homens e mulheres negras. De maneira que estamos cansadas de ver, Django, herói que dá nome ao filme, é resgatado e “educado”, diga-se assim, por um homem branco, quem magicamente é o único personagem não racista do filme. Numa relação totalmente paternal, o homem negro precisa ser tutelado pelo homem branco e vira as costas para seus iguais, escravizados como ele. Além da Broomhilda, a mocinha do filme, que é totalmente dependente de Django e como personagem é um nada. Mas isso é mais um problema de gênero.

12 anos de escravidão (2013) me deixou triste e satisfeita no final. Triste porque muito diferente de Django, o filme mostra exatamente os prejuízos que a escravidão causou para todos os indivíduos que foram trazidos da África de forma forçada e seus descendentes. Não tem nenhum branco que magicamente, de repente descobre que racismo é errado e resolve todos os problemas tutelando os personagens negros. Não há tutela, esses homens brancos foram algozes. As marcas nas costas de praticamente todos os personagens negros são testemunhas disso.

O paternalismo é ruim: mata, separa famílias, escraviza, tira autonomia e liberdade de homens e mulheres. Todas as imagens de seres humanos acorrentados, mutilados, portando máscaras de ferro, sendo torturados, não deixam sombra de dúvida.

Duas questões que são bem melhor exploradas em 12 anos, são a sobrevivência em cativeiro e a solidariedade entre cativos. Em várias cenas você se dá conta do quanto se rebelar poderia ser difícil e em outras do quanto ajuda mútua entre eles poderia ser preciosa.

Cenas de culto religiosos fazem uma ligação exata entre escravidão e cristianismo. Os usos que foram feitos da Bíblia para justificar esse sistema. O que me lembrou muito, os usos atuais do mesmo livro para barrar direitos humanos de mulheres e homossexuais... mas isso já é outra história.

O filme deixa evidente que a miscigenação louvada por tantos (principalmente no Brasil) é fruto de mulheres violentadas. O desespero de Patsy em não aguentar de um lado os estupros sistemáticos, e de outro os maus tratos da esposa traída, no mostra de maneira acertada o lugar da mulher negra nessa sociedade. Ela chega ao ponto de pedir para que Solomon lhe tire a vida

Há uma carência enorme de filmes sobre esse período histórico. Steven MacQueen o diretor de 12 anos, em entrevista pôs o dedo nessa ferida. Segundo ele: “A Segunda Guerra Mundial durou cinco anos e há centenas de filmes sobre a Segunda Guerra e o Holocausto. A escravidão durou 400 anos e há menos de 20 filmes. Nós temos que reparar esse equilíbrio e olhar para esse período da história.” Sentença que se encaixa perfeitamente á cerimônia do Oscar. Em 86 edições do careca dourado, MacQueen é o terceiro negro a ser indicado a categoria de melhor diretor (negras então... puff!). É isso que eu quero dizer com diminuir ou ignorar os prejuízos da escravidão africana, há uma dívida histórica com todos seus descendentes e que está longe, muito longe de ser paga.

E se há um tempo atrás fiquei chateada quando Spike Lee declarou que não podia falar sobre o filme de Taranino e não iria vê-lo, pois “A escravidão nos Estados Unidos não foi um western spaghetti de Sergio Leone. Foi um holocausto. Meus ancestrais foram escravos, roubados da África." Depois de assistir o filme de MacQueen  suas palavras são incontestáveis...

p.s. Links para as fala do diretor Steven McQueen e Spike Lee.