Quando saí da sala de cinema logo após assistir Django (2012) senti uma ponta de decepção misturada com revolta. Além de ser o pior filme do
Tarantino, diretor que admiro muitíssimo, não chegou nem perto das minhas expectativas.
Em suas entrevistas de pré-produção parecia um filme revolucionário. Um western
sobre a escravidão! Tinha tudo para ser uma grande película, só que não.
Assim como toda nossa sociedade (e a dos EUA) faz, o filme diminui os prejuízos da escravidão. Porque reconhecê-los não significa apenas
nos expor a cenas chocantes, mas continuar na luta por uma representação justa
e verossímil dos homens e mulheres negras. De maneira que estamos cansadas
de ver, Django, herói que dá nome ao filme, é resgatado e “educado”, diga-se
assim, por um homem branco, quem magicamente é o único personagem não racista do
filme. Numa relação totalmente paternal, o homem negro precisa ser tutelado
pelo homem branco e vira as costas para seus iguais, escravizados como ele.
Além da Broomhilda, a mocinha do filme, que é totalmente dependente de Django e
como personagem é um nada. Mas isso é mais um problema de gênero.
Já 12 anos de escravidão (2013) me deixou triste e satisfeita no
final. Triste porque muito diferente de Django, o filme mostra exatamente os prejuízos
que a escravidão causou para todos os indivíduos que foram trazidos da África
de forma forçada e seus descendentes. Não tem nenhum branco que magicamente, de
repente descobre que racismo é errado e resolve todos os problemas tutelando os
personagens negros. Não há tutela, esses homens brancos foram algozes. As
marcas nas costas de praticamente todos os personagens negros são testemunhas
disso.
O paternalismo é ruim: mata, separa famílias, escraviza,
tira autonomia e liberdade de homens e mulheres. Todas as imagens de seres humanos
acorrentados, mutilados, portando máscaras de ferro, sendo torturados, não
deixam sombra de dúvida.
Duas questões que são bem melhor exploradas em 12 anos,
são a sobrevivência em cativeiro e a solidariedade entre cativos. Em várias
cenas você se dá conta do quanto se rebelar poderia ser difícil e em outras do
quanto ajuda mútua entre eles poderia ser preciosa.
Cenas de culto religiosos fazem uma ligação exata entre escravidão
e cristianismo. Os usos que foram feitos da Bíblia para justificar esse sistema. O que me lembrou muito, os usos atuais do mesmo livro para barrar direitos humanos de
mulheres e homossexuais... mas isso já é outra história.
O filme deixa evidente que a miscigenação louvada por tantos (principalmente no
Brasil) é fruto de mulheres violentadas. O desespero de Patsy em não aguentar
de um lado os estupros sistemáticos, e de outro os maus tratos da esposa traída,
no mostra de maneira acertada o lugar da mulher negra nessa sociedade. Ela
chega ao ponto de pedir para que Solomon lhe tire a vida
Há uma carência enorme de filmes sobre esse período histórico.
Steven MacQueen o diretor de 12 anos, em entrevista pôs o dedo nessa ferida.
Segundo ele: “A Segunda Guerra Mundial durou cinco anos e há centenas de filmes
sobre a Segunda Guerra e o Holocausto. A escravidão durou 400 anos e há menos de
20 filmes. Nós temos que reparar esse equilíbrio e olhar para esse período da
história.” Sentença que se encaixa perfeitamente á cerimônia do Oscar. Em 86
edições do careca dourado, MacQueen é o terceiro negro a ser indicado a
categoria de melhor diretor (negras então... puff!). É isso que eu quero dizer
com diminuir ou ignorar os prejuízos da escravidão africana, há uma dívida
histórica com todos seus descendentes e que está longe, muito longe de ser paga.
E se há um tempo atrás fiquei chateada quando Spike Lee
declarou que não podia falar sobre o filme de Taranino e não iria vê-lo, pois “A
escravidão nos Estados Unidos não foi um western spaghetti de Sergio Leone. Foi
um holocausto. Meus ancestrais foram escravos, roubados da África." Depois
de assistir o filme de MacQueen suas
palavras são incontestáveis...
p.s. Links para as fala do diretor Steven McQueen e Spike Lee.


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