segunda-feira, 17 de março de 2014

Cenas de abuso se repetem no BBB

Sim, eu assisto Big Brother Brasil, não, isso não afeta em nada minhas faculdades cognitivas e/ou intelectuais. Acho que a proposta do programa pode até ser antropologicamente interessante, apesar da experiência de assisti-lo esteja decaindo muito nos últimos programas (o atual é com certeza o pior de todos).
Sim, é um programa machista que objetifica os corpos femininos em troca de uns pontos de audiência. E sim, é um programa racista – já pararam pra pensar que entra um/a negro/a por edição em um país de pelo menos metade afrodescendente e mais da metade mestiço. E esse/a personagem geralmente saí até metade do programa (me corrijam se estiver errada, mas Valter Slim, a cota dessa edição, é o que foi mais longe no jogo, não?). Se tem algo que podemos chamar de reality no BBB com certeza é isso: ele reflete tanto os problemas da sociedade em qual está inserido, quanto os da emissora.

Mas enfim, dadas as devidas ressalvas, vamos ao assunto que me levou a abrir o computador a meia noite e vinte de domingo para escrever esse texto: abuso sexual, mas especificamente abuso sexual de mulheres embriagadas e vulneráveis. Na edição 12 essa polêmica já havia surgido, o único negro da casa (como sempre), Daniel, foi para debaixo do edredom com Monique. O que causou comoção foi que aparentemente a moça, depois de muito beber, dormia enquanto ele fazia sexo com ela totalmente sem consentimento (coisa imprescindível em uma relação sexual entre dois sujeitos). E o Bial, fazendo Bialzice, abriu a edição do dia seguinte com um sonoro “O amor é lindo!”. SERÃO MESMO BIAL? A menina provavelmente havia sido estuprada e você fala de AMOR? O que causou mais e mais problemas para Rede Globo, que teve de tirar os participantes da casa, envolver a policia, fazer corpo de delito e etc. Daniel, ao que tudo indica não havia consumado o ato, mas mesmo assim abusou de Monique, que desacordada não podia reagir a suas carícias, o que desde 2009 no nosso código penal já é considerado estupro. Na época, ele foi apenas expulso do programa.

Trouxe novamente o acontecido à tona para falar da festa que ocorreu esse sábado dentro da casa. Acho problemático bebida alcoólica liberada em uma situação de confinamento como a do programa, quando as pessoas estão extremamente vulneráveis devido as circunstâncias, e acabam descontando suas emoções em tudo, uns em cigarro, outros em comida e, é claro, em bebida. Sempre dá merda. Nessa última festa Ângela bebeu demais, além de aturar o tempo inteiro as investidas insistentes de Marcelo, cara chato, inconveniente, machista e mimado que parece não aceitar um não como resposta, com quem a moça havia tido um relacionamento, e já havia colocado um ponto final. Típico stalker, que inconformado com algum rompimento infernizará a vida da mulher que o deixou. Conhecemos o fim de várias histórias parecidas que todos os dias tomam os noticiários, e elas quase nunca acabam bem... para as mulheres.
E a noite passa, Ângela bebe mais, Marcelo insiste mais, Cássio observa. Eu não gosto do Cássio, não
gosto desde que vi as chamadas da entrevista dele para produção do programa antes do mesmo começar. Não gosto do jeito mimado, infantil, desleixado, das brincadeiras desrespeitosas (principalmente com as mulheres) e do egocentrismo. Mas devo admitir que nessa noite de sábado ele devesse ser a pessoa mais
sensata do Projac.
O tema da festa era Índia e haviam grandes almofadas jogadas por todo gramado. Foi em algumas delas que Ângela começou a passar mal e Cássio tentou ajudá-la, coisa que ela negou, mas ele parece ter continuado por ali, de algum jeito preocupado em zelar pela menina bêbada. E no desenrolar dos fatos ele fez uma coisa tão simples, tomou uma atitude tão óbvia, tantas vezes ignorada, mas que pode salvar muitas mulheres de serem abusadas sexualmente. Marcelo, o chato, começou a jogar água no rosto da moça, que reclamou, Cássio tentou fazer com que parasse, mas ele o afasta e continua jogando água nela. Que continua reclamando e em troca é atingida por Marcelo com várias almofadas no rosto.
Ela totalmente fora de si diz que ele pode deitar ali pra dormir com ela... como amigo. Mas parece que essa parte ele não entende e Cássio atento, logo percebe. Marcelo deita com ela, tenta beijá-la, ela nega, ele continua dando selinhos, beijos pelo rosto, e Cássio chama outras meninas, ele está decidido, vai usar a desculpa de que elas darão banho e cuidarão da bêbada Ângela para tirá-la dali, daquele estado de completa vulnerabilidade. Marcelo insinua que ele “cuidará dela” ele “dará banho nela” de maneira muito suspeita. O que faz com que Cássio fique cada vez mais certo de que moça corre algum perigo e tire ela dali. As cenas que seguem são do barraco entre os dois caras, que deve ter deixado o diretor do programa bem feliz, pois antes disso as tramas e o jogo estavam mais parados do que água de poço. Até as mães dos/as participantes conseguiram ser mais interessantes do que eles/as!

O que me importa nisso tudo é a atitude tomada por Cássio, que devemos tomar fortemente como exemplo. Como eu disse é tão simples, mas pode evitar grandes tragédias para vida de várias mulheres, como a da garota, que ano passado em Steubenmville nos EUA foi brutalmente estuprada por vários garotos colegas de escola depois de beber demais e ficar desacordada. E não venham me dizer que por que Ângela bebeu estava pedindo, que ela devia ter bebido menos pra evitar esse tipo de situação. Argumentos assim só tiram a culpa do verdadeiro culpado, Marcelo, e colocam na vítima. Ela, como qualquer outra mulher, tem o direito de beber e se divertir sem sofrer qualquer tipo de violência.

Ninguém tem o direito de molestar o corpo de ninguém por que essa pessoa (sempre mulheres) está inconsciente ou fora de si em decorrência de uma bebedeira. Isso não é sexo, não é brincadeira, é a vida e a integridade física de outra pessoa. Algo tão óbvio, mas que cega tantos homens, menos Cássio nesse sábado a noite, que enxergou o óbvio, o que qualquer um devia enxergar: uma pessoa bêbada não é uma pessoa em condições de decidir, não é uma pessoa em condições de consentir, não, você não deve “se aproveitar” de alguém nesse estado, pois isso é monstruoso. E nós todos devemos tomar atitudes como a de Cássio, ou seremos todos estupradores. #foramarcelo

p.s. Mais informações sobre o caso de Steubenmville aqui.

terça-feira, 11 de março de 2014

Faça um bom negócio! Não assista "300 - a ascensão do império"

Pior do que filho de político metido a rockeiro
Pronto, vamos seguir o seguinte roteiro: eu vou xingar o filme a vontade, depois eu vou estragar a sua experiência de assisti-lo contando seus primeiros 20 minutos do filme discutindo a questão política daquela porcaria (veja que a primeira parte já está sendo executada) e por último e MAIS IMPORTANTE vou explicar porque só os primeiros 20 minutos serão narrados discutindo misoginia.

O filme é ruim de roteiro, de sequencia de cena, o efeito de sangue dos quadrinhos originais (que só narram os acontecimentos do primeiro filme) não diminui a violência como o diretor gostaria e a chance é muito grande de um sádico estar se masturbando do seu lado dentro da sala de cinema.

Parecia mais esse aqui do que o filme de verdade
O argumento do filme é que a coisa mais bela do mundo é matar líderes políticos orientais (próximos) em nome de uma suposta democracia que ensaia um ideal de liberdade que só gera mais e mais guerra. Se isso te lembra alguma coisa parabéns, você é muito mais esperta (o) do que um espartano. Estamos falando de 300 – a ascensão do império (2014) que é a vingança dos machões de cuequinhas Superman pra cima do Rodrigo Santoro (quem eu não verei nas telonas nunca mais) vestido de odalisca masoquista. Ou seja, haverá um terceiro filme que retratará a épica Guerra do Peloponeso, mas enfim.

História antiga básica: Xerxes mata Leônidas na batalha de Termópilas (filme 1 – que deveria ter sido primeiro e último porque é um bom filme), depois os gregos se unem militarmente e acabam com os persas também chamados de medos (filme 2). No final das contas a influência de Esparta sobre as outras cidades-estados gera um conflito entre Atenas e Esparta, da democracia contra a ditadura, da razão contra a força bruta e então Esparta vai lá e ganha. Quem contou isso pra gente foi Tucídides comandante ateniense que sobreviveu a guerra do Peloponeso e resolveu contar a derrota de seu próprio povo, tirando esse privilégio de seus inimigos.

A Pérsia antiga é referência direta do e ao oriente próximo. Por exemplo, no Irã uma das manifestações mais conhecidas contra o xá (o ditador mulçumano do Irã) foi a realização de um festival arcaico persa que comemorava a primavera. O império persa é referência simbólica-cultural daqueles povos até hoje. Muito infelizmente para mim o sápatra (rei/manda-chuva/zé gostoso) da Pérsia foi representado por Rodrigo Santoro. Rodrigo, você não precisava estar naquela porcaria.

Além da violência exacerbada e elogiada durante as cenas que mostravam espartanos espancando uns aos outros e dizendo como era a coisa mais maravilhosa do mundo morrer por EUspartA. Não consegui ver até a parte que eles efetivamente lutam contra os persas. O herói ateniense vai até Esparta num clima “ei gostosões, viemos chamar vocês pra descer o cacete no Xerxes” e 1º a rainha aparece e pergunta se ele veio se masturbar olhando homens de verdade treinarem e 2º a mina fala pro cara “a gente vai descer porrada no Xerxes sem a ajuda de vocês porque a gente que manja dos paranauê” e é claro que o herói de guerra ateniense sai de lá fazendo comentários “nossa, esses espartanos são mesmo do caralho!”.

Tá bom.
É difícil contar o filme porque o filme fica indo e voltando, indo e voltando, voltando e indo um flashback dentro do outro e te deixa meio perdida (o), mas é claro que tem sangue no passado, presente e futuro. Além de um cena que uma cabeça decepada ganha um beijo na boca da general do Xerxes que o manipula desde sempre e parabéns diretor e ao roteirista conseguiram tirar toda a culpa do vilão e botar numa vilã, a galera adora isso. Por que né gente, a culpa é sempre da mulher mesmo, essa Lilith que usa e manipula os pobres homezzzZZZZZZZ...

A cultura estadunidense é de fato só elogios para as forças armadas. Os espartanos de hoje vão às escolas dos EUA fazendo propaganda de como é bom entrar para o exército depois da High School e a grande carreira que se pode ter pela frente. Pena que eles nunca assistiram o documentário Invisible War (2012) que discute os estupros dentro das forças armadas estadunidenses.

Eu lembro que no Calderão do Luciano Hulk rolou uma entrevista com o Rodrigo Nuncamais Santoro, o diretor de 300 (2006) Zack Snyder e o ator que faz o Leonidas fazendo um merchã do primeiro filme e o diretor disse que fez tudo o mais mágico e artificial possível para ninguém se ofender, achar que era uma questão política ou religiosa. Pois então, dessa vez acredito que o novo diretor, Noam Murro fez o contrário. Em um dos 1000 flashbacks dos primeiros vinte minutos mostra a capital de Xerxes e os primeiros monumentos que aparecem são os símbolos do Iraque e de Bagdá. Mandou benzão em não politizar a parada! Estranho o fato do novo diretor ser israelense, não?

Mas o filme é só porrada e elogio pros Estados Unidos? Não, tem os estupros também. Motivo que me levou a abandonar a sala de cinema. Eu estava assistindo o filme com a minha namorada (que – graças as forças divinas – não é nem foi vítima de nenhuma forma de violência sexual em um mundo em que 1 a cada 5 mulheres será vítima desse tipo de violência no decorrer da vida) que não aguentou ver tanta mulher sendo brutalmente estuprada. A sequência então era assim: cena estupro – diálogos elogiando a violência – porrada comendo solta – flashback – estupro – diálogos – etc.

Mas o mais perverso, ok guerras tem estupros, mas o pior de tudo é que o estupro representado tinha uma aura de fetichismo. Eram coreografias graciosamente interpretadas sobre belas mulheres mostrando os seios. Elas não eram cenas para chocar, eram cenas para se apreciar. Uma falta de respeito com todas as mulheres, com as mulheres que já foram vítimas, com as mulheres que moram em países passíveis daquele tipo de situação, etc. Talvez mostrar o estupro não seja um problema, é visibilizar uma coisa que acontece, mas transformá-lo no break do filme, na respirada no meio de tanta violência, estetizá-la daquele jeito é coisa de espartano. E além disso, há de se tomar muito cuidado ao inserir esse tipo de cena em filmes, pois mulheres que já foram vítimas podem voltar a ter sérios transtornos de estresse pós-traumático com direito a ao aguçamento de terríveis lembranças.

Mal sabe a namorada que saímos na hora em que o estupro seria com uma criança. Portanto, leitora (leitor) se eu não consegui fazer você perder a vontade de assistir o filme é porque as emoções roubaram a cena das palavras. Mas faça um favor à humanidade: deixe os espartanos esquecidos lá no passado que é o lugar deles.


p.s. Tudo indica que os espartanos adoravam a palavra fuck.